19 de novembro de 2024
01 de julho de 2019
Para cada farmácia, um modelo de negócio
Para um empreendedor montar sua empresa, seja ela uma farmácia independente ou uma grande rede, ele tem de entender, minimamente, sobre gestão e planejamento para poder desenhar um modelo de negócio…bem, pelo menos é o que pregam os conceitos clássicos de administração.
Daí, o empreendedor vai pesquisar o que é um modelo de negócio e depara logo com o quadro do Modelo Canvas ou a definição do livro Business Model Generation, do suíço Alex Osterwalder, que explica o modelo de negócio como a maneira como a empresa cria, entrega e captura valor.
Usando uma forma mais estruturada, esse autor cita nove pilares para a construção de um modelo de negócios:
1. Segmentos de clientes
2. Proposta de valor
3. Canais de distribuição
4. Relacionamento com clientes
5. Fontes de receita
6. Recursos principais
7. Atividades-chave
8. Parcerias principais
9. Estrutura de custo
Um dos maiores especialistas brasileiros em empreendedorismo e plano de negócios é José Dornelas, que também é autor de livros e professor de MBA na Fundação Instituto de Administração (FIA) e na Universidade de São Paulo (USP). Ele diz que o modelo de negócio é a explicação de como sua empresa funciona e cria valor. “Há muitas definições que buscam explicar o que significa o termo, mas a essência resume-se em buscar entender como a empresa fará dinheiro, qual será ou é seu modelo de receita e como as várias áreas e processos de negócio se relacionam para atingir o objetivo de fazer com que a empresa funcione, gerando valor aos clientes”.
De maneira geral, é isso mesmo, ou seja, é o posicionamento, foco e objetivo da empresa, é o perfil de clientes que se deseja atender, o mix de produtos e serviços oferecidos, o perfil dos seus colaboradores e sua missão, visão e valores.
Utilizando uma ferramenta ou não, cada farmácia ou rede acaba construindo um modelo e estabelecendo o seu perfil, que é único. O mercado farmacêutico pratica diferentes modelos de negócios. No entanto, o ICTQ elencou três modelos distintos que, supostamente, são usados por alguns players do varejo farmacêutico. Claro que há muitos outros, mas a proposta é que cada farmacêutico empreendedor faça uma reflexão, especificamente, sobre esses três: mercantilista, legalista e imaginário. Vamos a eles.
Mercantilista
Esse modelo pode ser descrito como o aplicado por empresas que seguem as leis do capital. Estão orientadas às demandas dos clientes, a qualquer custo. Muitos desses empresários buscam medidas provisórias e leis estaduais para atuar.
Grandes redes, especialmente a Pague Menos e a Araújo, costumam ter um posicionamento muito baseado na oferta de conveniência a um público específico e na venda de itens não ligados à saúde em suas farmácias, como material de limpeza, ração para cachorro, bijuterias, entre outros. O segmento de clientes e sua proposta de valor são bem claros.
Importante ressaltar que o objetivo desta reportagem não é imprimir um tom de recriminação sobre nenhum player do segmento e nenhum modelo de negócios que ele escolheu aplicar. Não há o certo ou o errado, se as empresas operarem na legalidade. Há apenas o adequado para cada uma, do ponto de vista do negócio.
Mas é claro que alguns farmacêuticos discordam disso: “Entendo que estes estabelecimentos fogem ao modelo de farmácia vigente no País (estabelecimento de saúde). Essa busca de lucro no curto prazo pode se transformar numa oportunidade para farmácias concorrentes se posicionarem de maneira a atender às necessidades primárias de determinada população, sendo este modelo mais sustentável no longo prazo”, falou o farmacêutico e consultor, Leonardo Doro Pires. Ele é professor do ICTQ e autor do livro Gestão Estratégica para Farmacêuticos.
Para ele, os estabelecimentos mercantilistas, principalmente os que não seguem a lei 13.021/2014, prestam um desserviço para a população. As barreiras regulatórias não existem por acaso, e infringi-las pode colocar o paciente em risco.
Legalista
No modelo de negócio legalista, a necessidade do cliente só é atendida se ela não ultrapassar o limite da regulação sanitária. Está orientada para um sistema de compliance que assegure o pleno funcionamento do negócio frente aos clientes e acionistas.
A grande maioria das redes tende a operar nesse conceito. Pode-se citar a Onofre, que passou por profunda reestruturação após a compra pela CVS; a DPSP (Drogarias Pacheco e São Paulo); e a RD (Raia e Drogasil), entre outras.
A segmentação de clientes, a proposta de valor, seus canais de distribuição e seu relacionamento com os clientes são bem transparentes e projetam imagem consistente. Aparentemente, esse é um modelo sustentável no longo prazo, ou seja, um modelo capitalista com foco em resultados, atendendo, porém, todo arcabouço legal do setor.
“Vejo este modelo com bons olhos. As empresas buscam, antes de tudo, a sustentabilidade financeira. A pressão dos acionistas força uma política comercial agressiva por parte destes players, o que gera mais competitividade no setor e, consequentemente, preços mais baixos. Num ambiente bem regulado, este modelo é extremamente benéfico para a população”, defende Pires.
Imaginário
O modelo de negócios imaginário, como o próprio nome já sugere, é aquele que só existe nos sonhos e no imaginário popular farmacêutico. É um modelo purista que seria o ideal como um estabelecimento de saúde, sem nenhum viés comercial.
Nesses locais não há produtos alheios à saúde, não há venda de conveniências e a presença integral de farmacêuticos em todos os atendimentos é a realidade. Aqui estão os estabelecimentos que defendem a lei de zoneamento (que não existe no Brasil).
Muitas farmácias europeias funcionam assim, guardadas as devidas proporções. No Brasil, podemos citar os consultórios farmacêuticos que funcionam em locais independentes das farmácias, pois são estabelecimentos regulamentados de saúde.
Para Pires, esse modelo parece utopia, mas já se aproxima daquele que foi nomeado como legalista (exceto pelo zoneamento – conceito que foi engolido pela prática do mercado).
“Algumas das grandes redes já prezam pela presença do farmacêutico em tempo integral e controle do mix de produtos oferecidos. Cabe ao farmacêutico se fazer presente em todos os atendimentos, e quando eu digo se fazer presente não estou falando em atender, mas criar processos de atendimento que permitam que os pacientes que demandem atenção farmacêutica afunilem para o atendimento do mesmo. Precisamos fazer a nossa parte!”, dispara Pires.
Categorização própria
De acordo com o presidente da Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), Edison Tamascia, na entidade é feita uma análise dos tipos de farmácias totalmente distinto do apontado pela reportagem. “Partimos do princípio que as lojas devem existir dentro da legislação, respeitando as leis sanitárias. Com base nisso, o Instituto Febrafar de Pesquisa (IFEPEC) realizou o Estudo do Mercado Farmacêutico e as Categorias de Farmácias, que buscou analisar o varejo farmacêutico nacional e categorizar os tipos de farmácias de acordo com o posicionamento estratégico, que proporciona uma visão mais ampla dos tipos de farmácias”.
O estudo citado oferece diretrizes para o posicionamento estratégico de suas categorias. Para isso foram definidas cinco categorias de farmácias e selecionadas estratégias de negócios que podem ser tomadas por elas, e que atendem ao requisito de replicação, para ver quais são as ideais de serem utilizadas ou não para cada categoria.
As categorias de farmácias estabelecidas no estudo da Febrafar são: Farmácias Independentes, Franquia/Licenciamento de Marca e Associativismo, Farmácias Populares, Grandes Redes e Redes Regionais. Cada uma delas tem sua característica específica.
Já o ICTQ publicou uma matéria exclusiva em seu Portal, intitulada “Os modelos de negócios farmacêuticos” em que abordava outra categorização de modelos de negócios: Farmácia de Rede, Farmácia de Manipulação, Franquia de Drogarias, Franquia de Farmácia Magistral, Associativismo de Farmácias e Drogarias, Farmácias Independentes e Farmácias On-line. Vale a pena ler.
Não importa o modelo que um empreendedor deseje adotar, o ideal é que ele tenha foco, que trabalhe na legalidade e que colha frutos para o empreendimento e seus colaboradores. Se o empresário conseguir agregar em seu modelo de negócios o melhor de cada um, característica ou perfil (independentemente do nome adotado pela instituição), ele terá sucesso.
Claro que muitos discordarão, como Pires, que vê o modelo legalista como o mais adequado, desde que o farmacêutico faça a sua parte.
“A estratégia do varejo farmacêutico é o da concorrência por ocupação de espaço, com o posicionamento físico de lojas no maior número de pontos possível. Cabe ao profissional farmacêutico e às entidades de classe transformar essa presença comercial na presença de um estabelecimento de atenção primária à saúde”, finaliza Pires.
Fonte – Egle Leonardi – ICTQ