01 de fevereiro de 2013

Indústrias farmacêuticas buscam lucro em drogas para doenças raras

Da Redação

Doenças raras sempre foram deixadas em segundo plano pelas farmacêuticas, que queriam remédios que pudessem ser vendidos para milhões de doentes. Hoje, porém, enfermidades que afligem um número muito menor de pessoas despertam um interesse cada vez maior no setor.

Um remédio da Sanofi SA tornou-se recentemente o segundo tratamento em dois meses a ser aprovado contra uma desordem hereditária dos níveis de colesterol que geralmente é fatal. O remédio injetável, chamado Kynamro, vai agora concorrer com o Juxtapid – uma pílula da Aegerion Pharmaceuticals Inc. que recebeu luz verde dos reguladores no mês passado – no tratamento de uma doença que afeta só alguns milhares de pessoas nos Estados Unidos. A Pfizer Inc. e a GlaxoSmithKline PLC, por sua vez, são algumas das empresas que têm pesquisado tratamentos para a distrofia muscular de Duchenne, uma doença hereditária que afeta um em cada 3.600 bebês do sexo masculino. Já a Shire PLC e a BioMarin Pharmaceutical Inc. estão procurando remédios para uma desordem metabólica rara chamada síndrome de Sanfilippo, que atinge um em cada 70.000 recém-nascidos.

Essa disputa no tratamento de doenças raras ressalta como mudanças na dinâmica comercial e uma compreensão maior das origens moleculares das doenças estão levando a indústria farmacêutica para novos caminhos. Os incentivos da FDA, a agência americana que regula alimentos e remédios, para o desenvolvimento das chamadas “orphan drugs” – ou drogas órfãs – podem significar aprovações mais rápidas, benefícios fiscais para as farmacêuticas e uma proteção de sete anos contra concorrência depois da aprovação (as drogas convencionais geralmente recebem cinco anos).

As grandes farmacêuticas haviam “pensado que as drogas órfãs eram coisas minúsculas que não mereciam atenção”, diz Angus Russell, diretor-presidente da Shire, que fabrica alguns dos remédios mais vendidos contra desordens raras de enzimas. As grandes farmacêuticas viram a Shire e outras firmas “desenvolverem drogas que acabaram” gerando receitas de centenas de milhões, se não bilhões, de dólares e logo foram atrás, diz ele. É verdade que um preço anual de seis dígitos para cada paciente põe em dúvida a capacidade das farmacêuticas de sustentar seus custos diante do esforço crescente das pessoas em controlar seus gastos com saúde. A concorrência pode também baixar os preços. O Kynamro, o remédio contra o colesterol, será vendido a um preço menor que seu concorrente Juxtapid. Mas o Kynamro ainda assim custará ao doente US$ 176.000 por ano, segundo a Genzyme, a unidade da Sanofi que desenvolveu a droga com a Isis Pharmaceuticals Inc. Um ano de tratamento com o Juxtapid custa de US$ 235.000 a US$ 295.000, dependendo do estágio do tratamento, diz Marc Beer, diretor-presidente da Aegerion.

Quando o congresso americano criou o termo “droga órfã”, em 1983, as farmacêuticas trabalhavam em um novo remédio do tipo a cada ano, segundo a FDA. Agora, a agência afirma que quase 200 drogas órfãs começam a ser desenvolvidas todo ano e cerca de um terço dos remédios que ela aprova são para doenças raras.

Francois Nader, diretor-presidente da NPS Pharmaceuticals Inc., que no fim de 2012 teve um remédio para uma doença rara do intestino aprovado pela FDA, diz que mudanças na ciência e na economia viabilizaram esse mercado. Os pesquisadores de drogas podem identificar com antecedência “os pacientes que se beneficiariam de um certo remédio, em vez de usar o modelo de um remédio para todo mundo como no passado”, diz ele. O remédio da NPS para o intestino, o Gattex, custou US$ 250 milhões para ser desenvolvido. O valor é bem inferior ao US$ 1 bilhão ou mais que poderia custar para lançar uma droga de uso mais amplo, em parte porque os testes clínicos requeridos precisaram de bem menos pacientes e foram mais rápidos, diz Nader. O Gattex custa US$ 295.000 por ano para o doente.

Graças a esses preços altos, quase um terço das drogas órfãs somam mais de US$ 1 bilhão em vendas anuais, segundo uma amostra examinada pela Thomson Reuters. A categoria gera mais de US$ 50 bilhões em receitas no mundo todo e teve um crescimento anual de mais de 20% nos últimos anos. Até agora, os planos de saúde privados e os governos têm aceitado pagar por esses remédios caros. As doenças são tão raras que cada plano pode ter que pagar por apenas um paciente. Além disso, os tratamentos são geralmente uma questão de vida ou morte e assim fica difícil para as administradoras dos planos recusá-los. “No futuro, haverá mais pressão sobre os preços” à medida que essas caras drogas órfãs se proliferarem, diz Rhonda Greenapple, fundadora da Reimbursement Intelligence, uma firma de pesquisa de mercado do setor farmacêutico que monitora planos de saúde. “Mas, no momento, [os planos] não podem fazer quase nada” para limitar o acesso.

No caso da doença rara do colesterol, conhecida como hipercolesterolemia familiar homozigótica, os recém-aprovados remédios Kynamro e Juxtapid “vão suprir uma necessidade muito grande”, diz Steven Jones, diretor de cardiologia do Hospital americano Johns Hopkins. Pacientes com a doença têm um defeito nos genes que ajudam o corpo a eliminar o colesterol ruim, ou LDL, da circulação sanguínea. Como resultado, mesmo crianças podem ficar com níveis de colesterol de até 400 miligramas ou mais por decilitro de sangue – três ou quatro vezes o nível recomendado. A desordem pode causar ataques cardíacos, derrames e a morte, geralmente antes dos 30 anos.

Christian Jacobs, de 21 anos, que frequenta uma escola técnica em Ohio, foi diagnosticado quando tinha dois anos com um nível de colesterol LDL de 957 miligramas por decilitro. Ele toma seis remédios para o colesterol, tem stents (pequenos tubos) desbloqueando sete artérias e se submete a uma sessão de filtragem de colesterol a cada duas semanas, mas seu colesterol permanece acima de 500. Jacobs diz que o Kynamro baixou seu colesterol para 250 num teste clínico e que o plano de saúde de sua família aprovou o reembolso do tratamento com o Juxtapid, que ele deve começar logo. Se um remédio “não funcionar, eu tenho o outro”, diz ele.

Fonte: Valor Econômico

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