06 de janeiro de 2024

Varejo farmacêutico volta a viver oscilação em 2023

O varejo farmacêutico enfrentou mares turbulentos em 2023. Após um 2022 de crescimento promissor, a oscilação foi a marca do ano que passou, sob as sombras da inadimplência, do consumo retraído e da recuperação judicial. Mas essa retrospectiva tem nuances que indicam uma profunda transformação setorial.

Crise? Especialistas e consultores ouvidos pela redação do Panorama Farmacêutico não cravam essa palavra, mas claramente apontam para uma desaceleração que se estende a todo o varejo e deve perdurar pelo menos até 2024.

Indicador de Atividade do Comércio do Serasa Experian reflete esse momento de incertezas. Após o recuo de 0,1% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2022, o intervalo de julho a novembro sinalizava um princípio de recuperação – com alta de 0,5%. Mas o Natal voltou a frustrar as expectativas ao registrar retração de 1,4% nas vendas do varejo físico entre 18 e 24 de dezembro. Foi o pior desempenho desde 2020, auge da pandemia da Covid-19.

As tendências de queda na inflação e nas taxas de juros, aliadas ao aumento da empregabilidade, atenuam o cenário. “Mas 72 milhões de brasileiros em situação de inadimplência, devendo em média para quatro credores, travam qualquer possibilidade de crescimento rápido. Os consumidores vêm priorizando a reestruturação financeira em detrimento das compras. E quem zerar os débitos não vai partir para novas dívidas tão cedo”, reforça Luiz Rabi, economista-chefe do Serasa Experian.

Varejo farmacêutico convive com estoques excessivos

O varejo farmacêutico vê nos estoques excessivos mais um indício dos ventos desfavoráveis. De acordo com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), 15,9% das empresas do setor convivem com essa realidade, considerando a média de janeiro a novembro. O efeito respinga na indústria, cujo percentual chega a 13,8%.

“Estoque excessivo sinaliza desarranjos na economia, uma demanda mais fraca que a esperada. Ninguém produz para ficar parado”, comenta o economista da FGV Ibre, Rodolpho Tobler.

Recordes na recuperação judicial

Os pedidos de recuperação judicial também escancaram as turbulências. O total de requisições somou 1.128 de janeiro a outubro de 2023, volume 35,4% acima de todo o ano anterior – período em que esse índice caiu 6,5%. E o mercado farmacêutico foi um dos protagonistas desse movimento.

Logo em fevereiro, as portas fechadas das lojas da Poupafarma prenunciavam um panorama nebuloso. Em recuperação judicial desde então, a rede paulista viu-se obrigada a envolver parte de suas unidades em um leilão, que culminou na aquisição de 51 PDVs pela paranaense Nissei. Em abril seria a vez da Bifarma, que já figurou entre as 20 líderes de faturamento no setor e cuja receita despencou 66% em um ano. De 250 lojas em 2021, sobraram 30.

“A recuperação judicial representa um efeito defasado das dificuldades que o varejo enfrenta desde 2021. As empresas do varejo vinham acumulando inadimplências e tentando administrá-las até a corda estourar”, destaca Luiz Rabi.

O consultor, no entanto, avalia que um componente estrutural torna o varejo farmacêutico menos sujeito às intempéries. “O envelhecimento da população, com a consequente oferta de mais serviços de saúde, permitirá ao segmento encarar com menos dificuldade as crises cíclicas da economia”, projeta.

Varejo farmacêutico vive clara transformação

Mas como falar em incerteza num varejo farmacêutico que movimenta R$ 135 bilhões nos últimos 12 meses até novembro de 2023, cresce 10,7% e tem performance inferior apenas à do canal alimentar? A resposta está na análise fragmentada por nicho.

Segundo a Close-Up International, o setor computou 7,7 bilhões de unidades comercializadas no período. Mas somente as farmácias afiliadas à Febrafar e as grandes redes que integram a Abrafarma puxam o desempenho, respectivamente com avanço de 7,8% e 3,8% frente aos 12 meses anteriores. As empresas da Abrafad também apresentam evolução – 1,2%. Esse grupo movimenta 66% do faturamento do mercado farmacêutico.

Em contrapartida, a curva é claramente descendente entre médias e pequenas redes (-7,6%) e das demais representantes do associativismo (-10,4%). Os MIPs respondem por 92,2% da queda, sendo as vitaminas responsáveis por 28,7%. A consultoria atribui o resultado às dúvidas sobre novos ciclos epidemiológicos, indicando que a onda de consumo durante a pandemia já passou.

Hoje existem 99.708 farmácias em funcionamento no Brasil. Mas desde 2019, enquanto apenas 1,1% dos PDVs do associativismo e 1,3% das unidades do grande varejo farmacêutico encerraram atividades, o percentual salta para 13,2% nas outras redes e nas independentes. No âmbito geral, a taxa foi de 10,5%.

Revisão de expectativas e novo olhar

As farmácias genuinamente digitais exibem 6,3% de share com base nos dados da Close-Up International, o que perfaz pouco mais de R$ 8,5 bilhões de faturamento. De posse desses números, Sandro Angélico, CEO da Qualidoc, traça um paralelo com o índice de fechamento de PDVs.

“Diante de um consumidor mais restrito, o setor tem de calibrar melhor suas expectativas. É necessário entender que o jogo da fidelização passa pela experiência mais ágil de compra e pela otimização de despesas, o que pressupõe revisões no modelo de expansão baseado nas lojas físicas”, projeta.

Cláudio Felisoni, presidente do Ibevar, lança um sinal de alerta. Tanto o avanço do grande varejo como o das plataformas digitais atuam como freios para as farmácias menores e comprometem a vitalidade do varejo. “E o resultado é uma acomodação setorial, que dificulta o surgimento de novos players e fecha o campo para soluções inovadoras”, adverte.

Nesse contexto, o pequeno e médio varejo farmacêutico precisa reforçar a atenção com suas operações. “É essencial que elas aprimorem o mix de produtos, explorem melhor a gestão de categorias e o relacionamento com seus respectivos clientes, sem esquecer também de cultivar a venda por meios digitais”, enfatiza Geraldo Monteiro, diretor executivo da Rede Integração Farma, grupo que representa 15 distribuidoras de medicamentos.

Fonte – Panorama Farmacêutico

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