
11 de abril de 2025
06 de janeiro de 2024
O varejo farmacêutico enfrentou mares turbulentos em 2023. Após um 2022 de crescimento promissor, a oscilação foi a marca do ano que passou, sob as sombras da inadimplência, do consumo retraído e da recuperação judicial. Mas essa retrospectiva tem nuances que indicam uma profunda transformação setorial.
Crise? Especialistas e consultores ouvidos pela redação do Panorama Farmacêutico não cravam essa palavra, mas claramente apontam para uma desaceleração que se estende a todo o varejo e deve perdurar pelo menos até 2024.
O Indicador de Atividade do Comércio do Serasa Experian reflete esse momento de incertezas. Após o recuo de 0,1% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2022, o intervalo de julho a novembro sinalizava um princípio de recuperação – com alta de 0,5%. Mas o Natal voltou a frustrar as expectativas ao registrar retração de 1,4% nas vendas do varejo físico entre 18 e 24 de dezembro. Foi o pior desempenho desde 2020, auge da pandemia da Covid-19.
As tendências de queda na inflação e nas taxas de juros, aliadas ao aumento da empregabilidade, atenuam o cenário. “Mas 72 milhões de brasileiros em situação de inadimplência, devendo em média para quatro credores, travam qualquer possibilidade de crescimento rápido. Os consumidores vêm priorizando a reestruturação financeira em detrimento das compras. E quem zerar os débitos não vai partir para novas dívidas tão cedo”, reforça Luiz Rabi, economista-chefe do Serasa Experian.
O varejo farmacêutico vê nos estoques excessivos mais um indício dos ventos desfavoráveis. De acordo com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), 15,9% das empresas do setor convivem com essa realidade, considerando a média de janeiro a novembro. O efeito respinga na indústria, cujo percentual chega a 13,8%.
“Estoque excessivo sinaliza desarranjos na economia, uma demanda mais fraca que a esperada. Ninguém produz para ficar parado”, comenta o economista da FGV Ibre, Rodolpho Tobler.
Os pedidos de recuperação judicial também escancaram as turbulências. O total de requisições somou 1.128 de janeiro a outubro de 2023, volume 35,4% acima de todo o ano anterior – período em que esse índice caiu 6,5%. E o mercado farmacêutico foi um dos protagonistas desse movimento.
Logo em fevereiro, as portas fechadas das lojas da Poupafarma prenunciavam um panorama nebuloso. Em recuperação judicial desde então, a rede paulista viu-se obrigada a envolver parte de suas unidades em um leilão, que culminou na aquisição de 51 PDVs pela paranaense Nissei. Em abril seria a vez da Bifarma, que já figurou entre as 20 líderes de faturamento no setor e cuja receita despencou 66% em um ano. De 250 lojas em 2021, sobraram 30.
“A recuperação judicial representa um efeito defasado das dificuldades que o varejo enfrenta desde 2021. As empresas do varejo vinham acumulando inadimplências e tentando administrá-las até a corda estourar”, destaca Luiz Rabi.
O consultor, no entanto, avalia que um componente estrutural torna o varejo farmacêutico menos sujeito às intempéries. “O envelhecimento da população, com a consequente oferta de mais serviços de saúde, permitirá ao segmento encarar com menos dificuldade as crises cíclicas da economia”, projeta.
Mas como falar em incerteza num varejo farmacêutico que movimenta R$ 135 bilhões nos últimos 12 meses até novembro de 2023, cresce 10,7% e tem performance inferior apenas à do canal alimentar? A resposta está na análise fragmentada por nicho.
Segundo a Close-Up International, o setor computou 7,7 bilhões de unidades comercializadas no período. Mas somente as farmácias afiliadas à Febrafar e as grandes redes que integram a Abrafarma puxam o desempenho, respectivamente com avanço de 7,8% e 3,8% frente aos 12 meses anteriores. As empresas da Abrafad também apresentam evolução – 1,2%. Esse grupo movimenta 66% do faturamento do mercado farmacêutico.
Em contrapartida, a curva é claramente descendente entre médias e pequenas redes (-7,6%) e das demais representantes do associativismo (-10,4%). Os MIPs respondem por 92,2% da queda, sendo as vitaminas responsáveis por 28,7%. A consultoria atribui o resultado às dúvidas sobre novos ciclos epidemiológicos, indicando que a onda de consumo durante a pandemia já passou.
Hoje existem 99.708 farmácias em funcionamento no Brasil. Mas desde 2019, enquanto apenas 1,1% dos PDVs do associativismo e 1,3% das unidades do grande varejo farmacêutico encerraram atividades, o percentual salta para 13,2% nas outras redes e nas independentes. No âmbito geral, a taxa foi de 10,5%.
As farmácias genuinamente digitais exibem 6,3% de share com base nos dados da Close-Up International, o que perfaz pouco mais de R$ 8,5 bilhões de faturamento. De posse desses números, Sandro Angélico, CEO da Qualidoc, traça um paralelo com o índice de fechamento de PDVs.
“Diante de um consumidor mais restrito, o setor tem de calibrar melhor suas expectativas. É necessário entender que o jogo da fidelização passa pela experiência mais ágil de compra e pela otimização de despesas, o que pressupõe revisões no modelo de expansão baseado nas lojas físicas”, projeta.
Cláudio Felisoni, presidente do Ibevar, lança um sinal de alerta. Tanto o avanço do grande varejo como o das plataformas digitais atuam como freios para as farmácias menores e comprometem a vitalidade do varejo. “E o resultado é uma acomodação setorial, que dificulta o surgimento de novos players e fecha o campo para soluções inovadoras”, adverte.
Nesse contexto, o pequeno e médio varejo farmacêutico precisa reforçar a atenção com suas operações. “É essencial que elas aprimorem o mix de produtos, explorem melhor a gestão de categorias e o relacionamento com seus respectivos clientes, sem esquecer também de cultivar a venda por meios digitais”, enfatiza Geraldo Monteiro, diretor executivo da Rede Integração Farma, grupo que representa 15 distribuidoras de medicamentos.